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15 de setembro de 2013

A base verdadeira de felicidade


Ele se orgulhava da sua nova coleção de CDs de bossa-nova. O ritmo e os acordes inusitados que caracterizavam esse estilo de música popular brasileira o encantavam cada vez mais, desde que visitara o Rio de Janeiro no ano anterior. Escolheu um disco de Tom Jobim e pôs para tocar.
Então pegou sua bebida de preferência, suco de abacaxi e hortelã e cruzou as portas de vidro em direção ao terraço. Pela centésima vez, desde que comprara esse lugar, admirou a vista. Numa altitude de quinhentos metros a casa estava completamente cercada pela floresta subtropical. Lá em baixo, lagoas azuis enfileiravam-se, algumas delas diluindo-se no mar de água turquesa, a apenas cinco quilômetros de distância. O sol emprestava sua luz mágica a esse cenário deslumbrante. 
— Sua lasanha está pronta, querido — a esposa chamou-o da sala de jantar. Ele se casara com ela fazia um ano. Embora já fosse o seu terceiro casamento, parecia finalmente ter encontrado alguém para compartilhar a vida. E ela fazia uma ótima lasanha.
— Traga-a para cá. A mesa está posta aqui fora.
— Já estou indo — ela avisou, aproximando-se com a travessa fumegante. Estava corada, o que a deixava ainda mais bonita. Talvez fosse a satisfação de ter feito uma ótima comida.
— Que cheiro delicioso! Estou morrendo de fome. O ar da montanha me deixa faminto.
Minutos depois, quando está a ponto de colocar na boca um pedaço da massa, o celular tocou. Aborrecido, ele deixou o garfo no prato:
            — Meu Deus. Não sei porque toda vez que me sento para comer o telefone toca.
Ele pegou o celular, e do terraço, sua mulher podia vê-lo acenar com a cabeça e exclamar. Seu rosto estava branco como cera.
— O que aconteceu? — ela perguntou. — Vai sentir-se melhor depois que comer.
As palavras saíram aos borbotões.
— Perdi o apetite. Era o médico de minha mãe. Ele acabou de receber os exames. Ela tem um tumor no fígado. Maligno. Não é nada bom.

Comentário: Nós construímos castelos de ilusões sob a premissa irreal de que nada acontecerá para derrubá-los. Às vezes, só as más notícias conseguem nos afastar das coisas que os nossos órgãos dos sentidos mais apreciam. Não ouvimos a música, não sentimos os aromas, não vemos a paisagem e nem provamos o alimento. Não notamos sequer quem está a nossa volta. Algo acontece que não podemos entender. Não se encaixa no nosso mundo ideal.
Acabamos de constatar. A verdadeira felicidade não se baseia nas coisas que nos rodeiam, mas na compreensão que temos delas.

Do livro,"Reflexões para uma vida plena" de Ken O'Donnell , Editora Integrare, São Paulo (link)